domingo, 23 de janeiro de 2011

As hélices do Google

O gigante da Internet investiu 200 milhões de dólares numa rede submarina de transmissão de energia eólica. Pode ser o começo de uma revolução energética



Se houvesse uma única explicação para o sucesso do Google, a ferramenta de buscas que em dez anos se transformou num império da internet, essa seria a perspicácia com que a empresa identifica uma nova demanda e a rapidez com que trata de supri-la. Desde o seu lançamento, em 1998, o Google está alguns passos à frente dos acontecimentos e diversifica sua área de atuação - com bons resultados em quase tudo o que faz. Nos últimos anos, a empresa apostou em telefonia, em satélites para transmissão rápida de dados e até em uma televisão com acesso à internet. Em outubro, o Google destinou mais de 200 milhões de dólares para o que pode ser a mais espetacular aposta desde sua fundação: uma rede de cabos submarinos com 560 quilômetros de extensão para transmitir energia eólica produzida em alto-mar. Batizada de Atlantic Wind Connection, a rede vai abastecer 1,9 milhão de casas na costa leste dos Estados Unidos com 6000 megawatts de energia. Até 2016, quando deve começar a funcionar, o empreendimento terá consumido 5 milhões de dólares. 

A ideia de usar cabos submarinos para a transmissão da energia gerada por turbinas ins¬taladas a milhares de quilômetros da costa não é pioneira. Parques eólicos como o Thanet, na Inglaterra, que ocupa uma área equivalente a 4000 campos de futebol, já utilizam a tecnologia. A originalidade do projeto bancado pelo Google é o sistema inteligente. Similar a uma espinha dorsal, a rede do Google é composta de um cabo principal do qual saem ramificações que se conectam a várias centrais transformadoras em águas rasas. Essas centrais coletam a eletricidade gerada por diversas fazendas eólicas. O total de energia captada é distribuído em pontos variados da rede elétrica, em vez de em um só ponto, como acontece com a tecnologia tradicional. "Se o projeto der certo, ele pode vir a ser uma solução para o melhor aproveitamento das fazendas eólicas de alto-mar. Há regiões ainda não exploradas por falta de tecnologia de transmissão", diz Eliane Fadigas, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. 

O flerte do Google com energias renováveis não é recente, mas só neste ano se concretizou. Em maio, o grupo gastou 39 milhões de dólares na aquisição de duas fazendas eólicas em Dakota do Norte. A opção de aplicar dinheiro na força dos ventos não é à toa. De todas as alternativas para os combustíveis fósseis, a eólica é a que mais tem atraído investidores. Segundo dados da ONU, dos 119 bilhões de dólares investidos em fontes alternativas no ano passado, 67 bilhões de dólares foram para a energia eólica. A atual capacidade instalada mundial é de 121 gigawatts - duas vezes a de biomassa e dez vezes a solar. A estimativa é que um quinto da energia produzida no mundo em 2030 seja proveniente das fazendas de vento. 





 Apesar de ser a menina dos olhos dos investidores, a energia eólica tem uma série de desvantagens a ser superadas. A maior delas é o preço. Ela custa caro. O valor de 1 megawatt-hora de energia eólica é 132 reais, ante 80 do das usinas hidrelétricas. A instalação de um parque eólico requer muito dinheiro e a produção de energia ocorre, em média, em 30% do tempo. Ainda assim, o vento é uma energia viável para muitos países europeus e também para os Estados Unidos. No caso do Brasil, é algo para o futuro. Por enquanto, o país pode se beneficiar dos recursos naturais abundantes e priorizar as usinas hidrelétricas e os biocombustíveis. A energia eólica representa apenas 0,3% da matriz energética nacional. Mas o ritmo de expansão dos parques eólicos no Brasil é acelerado, em torno de 35% nos últimos dois anos. 

Qual a melhor e mais eficiente fonte renovável para substituir os combustíveis fósseis é um tema de acalorado debate entre os especialistas. A energia solar, que recebe 23% de todos os investimentos no setor, é mais cara do que a eólica - 600 reais o megawatt-hora - e só funciona em regiões favorecidas pela insolação. O fundador do Greenpeace, Patrick Moore, deixou a instituição na década de 80 para dirigir uma consultoria em defesa da mais polêmica das energias renováveis, a nuclear. "Ela é a mais limpa de todas, é confiável e tem custo baixo", disse Moore em entrevista a VEJA. "Trata-se da única tecnologia de larga escala que pode prover energia constante e confiável por milhares de anos no futuro."

Pouco adianta discutir qual tipo de energia renovável adotar se não há boas condições de transmissão de energia. Os locais com maior potencial para a exploração de fontes renováveis estão em regiões sem infraestrutura robusta o suficiente para levar a energia elétrica até o consumidor final. Um bom exemplo disso pode ser encontrado nos Estados Unidos. O sol brilha quase todos os dias no estado do Arizona, onde está em construção a maior usina de energia solar do mundo, com capacidade para abastecer 70000 residências. Mas ainda não se encontrou uma solução para encaminhar toda essa energia até as principais cidades americanas sem danificar a rede elétrica já existente. 


Na maioria dos países, entre eles o Brasil, a rede elétrica não está preparada para receber energias renováveis. O maior problema são as oscilações. É impossível prever a intensidade do vento ou do sol. Se num dia de ventania uma supercarga de energia eólica for jogada na rede de uma só vez, todo o sistema poderá entrar em colapso. Especialistas procuram uma solução para transmitir energias renováveis de forma eficiente. Quem sabe o Google não está perto de achar uma resposta.

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