terça-feira, 5 de julho de 2011

Dois problemas e uma mesma solução

Erguer habitações populares de maneira responsável pode resolver não somente a falta de moradia como também o impacto ambiental causado pelas obras

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que o déficit habitacional no Brasil chega a quase 8 milhões de unidades. Mas essa pode ser uma boa notícia. Com o empenho dos governos em reduzir significativamente tal número, cresce a chance de o país se tornar um exemplo em construções de interesse social com baixo impacto no meio ambiente.

Soluções tecnológicas que permitam agrupar os dois temas já são conhecidas há décadas. "Existem pesquisas reunindo moradias populares, eficiência energética e redução no consumo de água durante a construção e na fase de ocupação do imóvel", diz Maria Augusta Justi Pisani, professora de pós-graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Ela também cita trabalhos relacionados ao uso de peças pré-moldadas, capazes de baratear e agilizar a obra. O problema reside no fato de esses estudos encontrarem pouca ressonância em estados e municípios. Em 2009, por exemplo, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) criaram um concurso para destacar propostas de interesse social focadas em sustentabilidade. Venceram projetos em Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. Até o momento, nenhum saiu do papel.

Cabe agora aliar diretrizes públicas ao cuidado com o meio ambiente e a soluções de mercado. "Muitas experiências comprovam a eficácia de metodologias já disponíveis, mas precisamos achar uma maneira de reproduzi-las em escala grande o suficiente para reduzir o custo", diz Maria Augusta. "Elas ainda são caras e o mercado resiste em adotá-las por não saber como obter lucro", aponta. Por esse motivo, há décadas segue-se um padrão equivocado. "Infelizmente, desde os anos 70, as moradias populares são modelos de construções mal planejadas e mal-acabadas, que privilegiam a quantidade. Dezenas de conjuntos habitacionais foram levantados da mesma forma, sem considerar aspectos bioclimáticos, de conforto ambiental e de eficiência energética", resume o engenheiro Marcelo Takaoka, do Centro Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), sediado na capital paulista.

Como solução, os especialistas recomendam incluir as casas populares verdes nas políticas de estado a fim de garantir ações coordenadas. Atualmente, há uma preocupação crescente com a normatização de itens como tijolos, blocos, telhas, tubulações, componentes elétricos e hidrossanitários, mas isso se deve mais a critérios de licitação do que propriamente à consciência ambiental. Além do mais, quesitos menos relacionados à unidade habitacional, como a atenção ao entorno, não são contemplados na maioria dos projetos. Como se vê, o caminho ainda é longo - mas nem por isso impossível de percorrer.

CONJUNTOS HABITACIONAIS VERDES

• Desde 2007, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do Estado de São Paulo, vem implantando técnicas construtivas e tecnologias amigas do planeta. O projeto Serra do Mar deve atender a 7 580 famílias removidas de locais de proteção ambiental em Cubatão, SP. Ao todo, serão 5 mil novas unidades, 1 800 delas já entregues. Há versões destinadas a idosos e deficientes físicos.

Todas têm janelas maiores que o padrão, a fim de incrementar a ventilação e a entrada de luz natural nos ambientes. Além disso, contam com aquecimento solar para os chuveiros e medidores de água individualizados, boa pedida de economia - uma vez que cabe a cada usuário controlar o valor da conta.




Outras medidas são os telhados pintados de branco, que refletem o sol e geram conforto térmico, o emprego de materiais regionais para diminuir a necessidade de fretes e a redução do uso de madeira.

• A exemplo de países da Europa, dos Estados Unidos e do Japão, o Parque do Gato adota o aluguel social - oferece pequenos apartamentos que servem de abrigo transitório para moradores em situações de risco até que eles consigam trabalho e possam financiar um teto definitivo. "O projeto é dos mais sustentáveis", diz a professora Maria Augusta Justi Pisani, sobre a iniciativa da prefeitura de São Paulo. "Ele retira pessoas de uma condição desfavorável, mas as mantém nas redondezas, com opção digna de moradia." Infelizmente, a proposta que recebeu ex-habitantes da favela do Gato, às margens do rio Tietê, segue incompleta oito anos após seu início: parte da iniciativa previa pequenos quiosques, usados para geração de renda, que não foram adiante. O incentivo para o envolvimento dos usuários com políticas comuns em prol do condomínio também foi descontinuado. Apesar dos problemas, os blocos exibem um desenho atual, onde o térreo livre favorece a circulação. Os apartamentos são arejados e contam com medidores de água e gás individuais.


 



• Dois outros projetos em favelas de São Paulo exibem apelo verde. Em um conjunto habitacional da Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab), em Paraisópolis, os apartamentos contam com janelas de alumínio que permitem abertura de 100% do vão para iluminação e ventilação, aquecimento a gás no chuveiro, telhado branco de aço pintado e revestimento de quartzo na fachada, cujo uso requer baixa manutenção e elimina a argamassa externa. E, em Heliópolis, há um estudo para adequar o conjunto habitacional Heliópolis H às exigências do selo Casa Azul, da CEF. O condomínio leva a assinatura do arquiteto Hector Vigliecca.

• No Rio Grande do Sul, novos conjuntos populares, em Pelotas e Bagé, adotaram o uso de pneus na composição da rede de esgoto e águas pluviais. São os ecotubos, ideia do arquiteto gaúcho Fernando Caetano. Ele concebeu uma tecnologia que obtém manilhas para esgotamento hídrico resultantes da prensagem da borracha de pneus usados. Na versão tradicional, de cimento, 1 m de tubo custa cerca de R$ 120. Na versão ecológica, 1,50 m sai por R$ 8. "Normalmente os pneus são queimados nos fornos das indústrias de cimento e liberam carbono preto. Com essa técnica, além de economizar recursos que seriam utilizados na confecção da tubulação tradicional, dá-se um fim a um produto que demora 500 anos para decompor naturalmente", justifica Fernando.

• Em Sacramento, no Triângulo Mineiro, a sustentabilidade vai além do apelo ecológico: um projeto, desenvolvido por uma ONG local, oferece oportunidade de trabalho para 45 pessoas em situação de vulnerabilidade social, como presos em regime semiaberto e dependentes químicos. O grupo fabrica tijolos de solo-cimento (que dispensam queima em forno), empregados posteriormente na construção de casas erguidas em mutirões comunitários. Como pagamento mensal, cada funcionário recebe um salário mínimo e uma cesta básica, e, no caso dos detentos, redução da pena. No primeiro ano (2008), os tijolos foram suficientes para compor 370 moradias, número que resolveu 92,5% do déficit habitacional da cidade, onde vivem 22 mil pessoas. A iniciativa agora está sendo aplicada em Uberlândia, MG.

PRÊMIO RECONHECE INICIATIVAS SUSTENTÁVEIS
Em outubro passado, a CDHU e o IAB-SP divulgaram os vencedores do concurso Habitação para Todos - Concurso Nacional de Projeto de Arquitetura de Novas Tipologias para Habitação de Interesse Social Sustentáveis. Os premiados em seis categorias deverão ter as propostas utilizadas na construção de novos conjuntos populares no estado de São Paulo. Um dos destaques (Edifícios de Quatro Pavimentos) coube ao escritório paulistano Tryptique, autor dos predinhos avarandados com espaço para comércio, maneira de gerar renda na própria comunidade. Na modalidade Casas Térreas, mereceu atenção máxima do júri a proposta assinada pela equipe do 24.7, de Campinas, SP. Os arquitetos bolaram moradias que se adaptam a diferentes formatos de famílias e permitem a customização da fachada sem descaracterizar o condomínio.


BOAS PRÁTICAS
Apesar de o cenário não parecer animador, pequenas iniciativas apontam para um futuro mais verde e com maior qualidade de vida.

• Em junho de 2009, a Caixa Econômica Federal (CEF) lançou o selo Casa Azul, que qualifica projetos de habitação segundo critérios como o uso racional de recursos naturais. Para se candidatar, os empreendimentos devem atender a condições impostas em uma cartilha do banco, que divide as propostas em categorias Ouro, Prata e Bronze. O selo, no entanto, não favorece o crédito.

• Uma lei municipal de 2007 obriga todas as novas construções de São Paulo a tirar proveito do aquecimento solar para esquentar pelo menos 40% da água que consomem. A medida abrange moradias com quatro banheiros ou mais, pontos comerciais e indústrias. Outras 15 cidades no estado, segundo a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), adotaram práticas semelhantes. As casas do projeto Minha Casa Minha Vida também serão entregues com coletores.

• Outro acordo, este estadual, prevê que toda madeira comprada para atender a uma obra pública paulista tenha certificado de origem e manejo. Consultar no site
www.ambiente.sp.gov.br/MadeiraLegal.

Fonte: Revista Arquitetura & Construção

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